quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Polêmica na Copa Davis

Essa semana um tenista brasileiro deu uma declaração que abriu uma discussão entre ele o tenista indiano Mahesh Bhupathi. Perto da viagem da equipe brasileira à Índia para os jogos da Copa Davis, Ricardo Mello afirmou que a Índia “é um país sujo e miserável”.
Resolvi meter o bedelho na discussão: o máximo que podemos acusar nosso compatriota aqui é de ser politicamente incorreto. Digo isso porque até o olho mais cego enxerga que, sim, a Índia é um país sujo e miserável.
A miséria está em toda parte. Não há canto da cidade em que você não veja pessoas vivendo em extrema miséria. São crianças largadas, barracos que, muitas vezes, são mais parecidos com ocas, feitos de galhos de árvores e entulho das ruas. Os pedintes são vários, eu particularmente não consigo andar na rua aqui em Baroda: o fato de eu ser um estrangeiro faz com que os pedintes achem que você está cheio de dinheiro para dar.
A Índia tem um PIB per capita de US$1080 por pessoa por ano, comparado com US$8950 e US$3920 de Brasil e China, respectivamente. E a distribuição de renda é muito mais desbalanceada que no Brasil. Soma-se isso a uma densidade populacional de 397 pessoas por km2 (Brasil e China têm 22,7 e 141 respectivamente) faz com que você veja a miséria o tempo todo (dados do Wolfram).
A questão de ser suja também é inegável. Miséria é sinônimo de baixos níveis educacionais e baixo níveis educacionais é sinônimo de baixos padrões e pouca reivindicação de direitos. E é o que acontece aqui: as pessoas não brigam por seus direitos e também não exercem seu papel na sociedade, o que traz quilos e quilos de sujeira e lixo pelas ruas. Sem falar que a falta de infra-estrutura faz com que o poeira, ou lama nas monções, seja constante.
Um exemplo prático: na minha ex-casa nós costumávamos deixar o lixo na frente da nossa casa de tarde para que, na manhã seguindo o lixeiro recolhesse. Um dia eu vi um saco de lixo de casa, com os nossos conteúdos, jogado no terreno do fundo, já aberto e comido pelas vacas. Comentei com minha esposa e ela ficou de ver com a empregada o que havia acontecido.
O assunto ficou esquecido até que um dia, que eu também estava em casa, minha esposa pegou a empregada no ato de jogar o lixo no terreno dos fundos. Ela a instruiu para não fazer isso e para colocar o lixo na frente da casa. A empregada, que já estava de saída, levou o lixo para dentro do carro. Explicamos para ela que não era para levar o lixo embora mais sim deixá-lo na frente da casa. Aí veio a grande revelação: a minha vizinha da frente mandou ela não deixar lixo na frente da minha casa e, mandou, jogar o lixo no terreno do fundo.
Tem cabimento? A mulher morava no mesmo condomínio que eu, então não era uma pessoa qualquer, sem educação nenhuma. A história se encerrou no mesmo momento. Eu, aproveitando que a vizinha estava bisbilhotando da garagem da casa dela disse em alto e bom som para deixar o lixo na frente de casa só que do lado de dentro do portão, por que a casa é minha e eu deixo lixo onde eu quero.
E aí vem o terceiro grande ponto da polêmica: a água indiana serve ou não serve para escovar os dentes? Antes de vir para a Índia perguntei para outro consultor que já havia estado aqui (e odiado, por sinal) o que ele achou e o que ele tinha de recomendação. Em seu email ele me afirmou que na Índia “é necessário tomar banho com os olhos bem fechados e, após o banho, lavar bem os olhos e partes pudendas com água mineral para evitar infecções”. No mesmo email ele também me orientou a escovar os dentes com água mineral.
Agora vem o grande ponto de interrogação: de onde ele tirou isso??? Com certeza algum outro brasileiro infeliz que ficou aqui lavando o pinto com garrafinha de meio litro. Que, com certeza, recebeu informação de outro e assim por diante. Ninguém recebeu essa informação oficialmente.
A primeira vez que meu chefe veio para Índia ele trouxe uma quantidade tão grande de bombons, chocolates e barras de cereal que se o avião caísse no meio do atlântico ele tinha um mês de provisão. Tudo por que disseram para ele que é impossível comer a comida indiana.
No meu primeiro ano aqui eu era, e talvez continue sendo, o único brasileiro que escovava o dente com água da pia. Todos os outros usavam água mineral e diziam que eu ainda ia ter um problema por causa disso. São dois anos escovando o dente com água da pia e nada. (Se você é cheio de nojo pule para o próximo parágrafo) Admito que nunca, nenhuma única vez, deixei aquela bosta tenra e encorpada no vaso, mas também nunca passei aperto de ter que correr para o banheiro.
Enfim, aqui tem que se tomar cuidados, sim. Só cozinhamos com água tratada e só bebemos água mineral. Não confio em nenhum lugar público que tenha placa de água potável, prefiro morrer de sede. Mas nada de ficar neurótico evitando comidas e tomando banho de Don Perrier.
Para encerrar: ninguém gosta que os outros falem mal do nosso país, mas isso não significa que devemos fechar os olhos para os problemas existentes. Todos os países têm seus problemas e pontos fracos, como estrangeiro temos que nos adaptar a isso e como cidadãos temos que lutar para que as coisas mudem.

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